A EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - EIRELI E A SUA REALIDADE PRÁTICA

SÉRIE: OS TIPOS DE SOCIEDADE NO DIREITO BRASILEIRO

   Certa manhã bem preguiçosa de uma segunda-feira nublada (o terror de todos, acredito), fui procurado por uma grande amiga para realização de um trabalho. Ela, uma profissional da área de design, queria abrir uma empresa visando a prestação de serviços para seus clientes, em especial a prestação para uma grande loja de produtos importados que exigiu a “personalidade jurídica”. Ela seria concomitantemente a “chefe” e a “trabalhadora”.


   Não tive dúvidas. Ávido por dar um bom conselho para uma amiga que se tornara cliente, peguei os documentos, analisei-os e iniciei o estudo do caso. Vendo as características pretendidas, de início considerei o mais novo tipo societário criado pela legislação brasileira, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI. Este tipo de sociedade empresária (que visa o lucro financeiro) é muito semelhante à famosa sociedade Limitada, tipo societário largamente utilizado. No entanto, a EIRELI não necessita da presença mínima de dois sócios; um já basta.


   As vantagens, tanto da EIRELI quanto da Limitada, são inúmeras e o patrimônio pessoal resta bem protegido. Trata-se de sociedades empresárias contratuais, na qual se estabelece um valor, denominado capital social, que será aplicado pelo empresário na empresa. Este valor, na prática, representa aquele montante de capital que se faz necessário para iniciar suas atividades, tais como a compra de matéria-prima, aluguel de espaço, mobília e etc[1].


   Sobre o assunto, o professor Fábio Ulhoa Coelho, muito embora esteja falando especificamente sobre a sociedade anônima, nos dá uma excelente definição de capital social que podemos aplicar à sociedade Limitada e EIRELI[2]:

“O capital social pode ser entendido, nesse sentido, como uma medida de contribuição dos sócios a sociedade anônima, e acaba servindo, em certo modo, de referência à sua força econômica. Capital social elevado sugere solidez, uma companhia dotada de recursos próprios, suficientes ao atendimento de suas necessidades de custeio.”


   Na sociedade Limitada, considerando a presença de mais de um sócio, o “capital social” será divido em cotas individuais, cada uma com seu respectivo valor. Imaginemos uma sociedade limitada com R$ 10.000,00 de capital social; este valor poderá ser dividido em 10.000 cotas de R$ 1,00 cada. O contrato social - documento de criação da empresa (analogicamente, seria a certidão de nascimento de uma pessoa jurídica empresária), é onde se especificará o valor e a quantidade de cotas pertencentes a cada sócio. Não há regra para o estabelecimento do valor de cada cota, ficando ao livre arbítrio de cada empresário. Recomenda-se que cada cota tenha o valor de R$ 1,00, pois, na hipótese de surgimento de novos sócios, a divisão ficará bem simplificada. Na sociedade EIRELI, considerando que há apenas um sócio, todas as cotas serão dele, ao passo que, logicamente, controlará 100% das cotas sociais.


   Este capital social é de extrema importância porque é este valor que limitará a responsabilidade pessoal de cada sócio. Por exemplo, se um sócio possui 50% das cotas de uma empresa com R$ 10.000,00 de capital social, este sócio arcará com apenas R$ 5.000,00 na hipótese de prejuízo. Isto ocorre porque sua participação na sociedade, teoricamente, se limita a este valor. Este é um dos motivos pelos quais a sociedade Limitada e, mais recentemente, a EIRELI são muito utilizados[3]. Na teoria e muitas vezes na prática, o patrimônio pessoal do sócio resta bem protegido de eventuais prejuízos maiores.


   Há que se ressaltar que esta regra de responsabilização vale apenas para os casos em que não for comprovada nenhuma fraude contra credores, dolo, administração temerária e etc. Nestes casos, não haverá limitação para a responsabilização de cada sócio. Ou seja, o limite de responsabilização do capital social é aplicado apenas nos casos em que o empresário age de forma legal e correta[4]. Do contrário, a lei estaria beneficiando e dando saídas para que o empresário tivesse o respaldo jurídico para violar direito alheio.


   No entanto, uma grande diferenciação entre a Sociedade Limitada e a EIRELI é o valor mínimo de seu capital social. Muito embora já se tenha mencionado que o capital social deve ser uma valor aproximado àquele destinado a empresa, a lei impõe uma exigência para a criação de uma EIRELI. De acordo com o artigo 980-A, do Código Civil (lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), o capital social da EIRELI será de, no mínimo, 100 vezes o maior salário mínimo vigente no país. Ou seja, considerando o salário mínimo do Estado de São Paulo de R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais), o capital social de uma EIRELI deve ser de R$ 88.000,00 (oitenta e oito mil reais).


   Este grande valor de R$ 88.000,00 (oitenta e oito mil reais) amplia muito a responsabilidade para o empresário, tornando a realização deste tipo societário muito difícil. Isso ocorre ainda com maior razão quando se fala de um pequeno empresário que está buscando a formalização, como era o caso de minha nova cliente.


   Dadas essas condições de realização da EIRELI, entendi que o mais vantajoso para minha nova cliente seria a utilização do tipo societário Sociedade Anônima. Em sendo assim, sugeri que minha cliente iniciasse uma busca por um investidor, de confiança, que visualizasse uma boa chance para obter lucros futuros. Com as duas pessoas, o requisito da pluralidade societária estava resolvido e poderia utilizar-se do tipo societário da sociedade Limitada.



Pablo Fortes Iglesias

OAB/SP 369.194

Advogado Sócio do Iglesias, Pimenta e Santos Advogados Associados



[1] TOMAZETE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário, volume 1. 3ª ED - São Paulo: Atlas, 2011. P. 342

[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2: direito de empresa - 15ª Ed - São Paulo: Saraiva, 2011. P. 181

[3] TOMAZETE, Marlon. Op cit. P. 369

[4] MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias, volume 2 - 7ª Ed - São Paulo: Atlas, 2015. P. 157