Dilma, Lula, Sérgio Moro e a Democracia

Os dias 13 e 16 de março de 2016 farão parte de grandes marcos históricos da Democracia brasileira, ou, porque não dizer, ausência dela. 

      O regime democrático foi o sistema político-administrativo lapidado pela sociedade ao longo de sua história para ser o mais justo, imparcial e impessoal possível, tendo como primazia a vontade popular. São instituídos, indistintamente, direitos e deveres para cada cidadão, não se conferindo privilégios para quem quer que seja. É um Governo do povo para o povo.


      Nesse sentido, a separação dos Poderes é um elemento basilar para que a democracia efetivamente possa ser exercida. Exatamente para evitar o apoderamento da máquina pública para fins pessoais, o poder estatal foi dividido e repartido entre o Executivo, Legislativo e Judiciário.


              Tal separação deve ser independente e harmônica, permitindo a fiscalização de um poder pelo outro e impedindo desmandos autoritários de pessoas ou órgãos, conforme disciplina o art. 2º da Constituição Federal de 1988.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    (Foto: Ueslei Marcelino / Reuters)                                                                                                                                                                                                                                                                                                

   Entretanto, se Aristóteles e John Locke, principais expoentes da partição de poderes, vissem como esse sistema vem sendo aplicado no Brasil, com certeza rechaçariam este disparato. Na verdade, provavelmente pensariam que apenas se utilizaram de tais nomenclaturas mas sem qualquer aplicação prática.

       Ao nomear o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de Ministro da Casa Civil, a presidente Dilma Rousseff mais do que mostrar um verdadeiro desvio de finalidade deste ato administrativo, demonstrou indiferença com a vontade popular evidenciada no último dia 13 e com a tripartição dos poderes.


      As gravações telefônicas amplamente divulgadas pelas grandes mídias, realizadas com autorização judicial, deixam claro que o principal interesse desta nomeação foi simplesmente livrar o ex-presidente do crivo do poder judiciário federal. O que, sem dúvida, demonstra uma verdadeira interferência de um poder em outro.


      Mas aí você se pergunta, mas ele não continuará a ser investigado pelo STF? E isso não prejudica ainda mais sua situação já que não terá mais direito a tantos recursos?

   

     A reposta é negativa para ambas as questões. Isso porque, conforme é de conhecimento comum, os ministros do STF são nomeados pelo presidente da República, nos termos do parágrafo único do art. 101 da CF. Destaca-se a flagrante aberração na separação dos poderes, portanto.


      Ou seja, o STF se mostra mais um órgão político do que judicial, uma vez que seus componentes são escolhidos pela conveniência do chefe do Poder Executivo. Nesse sentido, dos onze ministros, três foram indicados por Lula e cinco por Dilma.


       Apenas para confirmar o evidente abuso de tais nomeações, ressalta-se que a filha de um dos ministros (que não foi de nomeação de Lula e nem de Dilma) recentemente foi nomeada desembargadora do TRF através do quinto constitucional por Dilma Rousseff. Até aí, nenhuma surpresa. Todavia, o que surpreende é que a nova “desembargadora”, venceu nomes muito mais reconhecidos, experientes e de peso.


      Portanto, facilmente se constata a fragilidade da imparcialidade destes julgadores. No mínimo, nove, dos onze ministros, se mostram suspeitos nos moldes do rol meramente exemplificativo do art. 254 do Código de processo Penal.


     Não é demais salientar que existem indícios da tentativa de intervenção de pessoas ligadas ao Governo junto aos ministros do STF, como na gravação em que Lula pede para Dilma atuar junto a ministra Rosa Weber, além das gravações em que Delcídio do Amaral prometeu ao filho de Nestor Ceveró atuação junto ao STF.


      Desta maneira é inegável a interferência da chefe do Poder Executivo no Poder Judiciário, retirando do juiz natural, in casu, o da 13a Vara de Curitiba, em que o titular é o juiz Sérgio Moro, por intermédio de uma nomeação totalmente viciada de ilegalidade, imoralidade e impessoalidade, ante ao claro desvio de finalidade, nos moldes do art. 37,  caput, da Constituição Federal. 


        Mas muitos podem se perguntar: o Juiz Sérgio Moro também não vem atuando com ilegalidade, passando por diversos direito fundamentais?

Mais uma vez a resposta nos parece negativa. Muitos juristas vem opinando sem ter qualquer conhecimento do que está ocorrendo nos autos, visto que, até então, estes se encontravam em segredo de justiça. Logo, é de desconhecimento de todos as peculiaridades do caso.

Nesse sentido, passemos a analisar o caso apenas pelas manchetes de jornal.


       A condução coercitiva de Lula e a busca e apreensão em sua residência não se mostraram desarrazoadas. Com efeito, segundo as informações jornalísticas, Lula foi intimado para depor, mas disse que somente iria algemado. Ato contínuo, já com a autorização judicial emitida pelo juiz, a polícia realizou sua condução para prestar esclarecimentos.


      Ademais, o art. 260, parágrafo único do Código de Processo Penal estabelece que ao ACUSADO que não atender a intimação da autoridade poderá ser conduzido coercitivamente. Outrossim, fica claro que o caso se aplica para o acusado no transcorrer da AÇÃO PENAL, mas não havendo qualquer previsão a respeito com relação a fase investigativa.


      O que difere de ambas situações é que na ação penal já foram realizadas todas as diligências investigatórias, assim, não trazendo prejuízo a intimação e depois, em sendo necessário, a condução coercitiva. Desta maneira, não havendo previsão legal, deve ser aplicada a analogia e a interpretação extensiva, conforme autoriza o art. 3º do CPP.


      Considerando estes institutos jurídicos, a Lei nº 7.960/89, em seu art. 1º, inciso I, prevê a prisão temporária quando imprescindível para as investigações no inquérito policial. No caso da condução do Lula, ficou claro que a finalidade do ato era de que ele e os demais investigados não atrapalhassem as investigações combinado versões ou desfazendo-se de provas.


       Portanto, se é permitido a prisão temporária para assegurar as investigações, com melhor razão também se permite a condução coerciva, inclusive sendo medida menos severa que aquela, em consequência a mais recomendada.


        Com relação as interceptações telefônicas realizadas, diante do que se veiculou pela mídia, ao nosso entender se mostram dentro da legalidade. Mediante ordem judicial motivada, assegurando-se o sigilo necessário, respeitando-se os requisitos da Lei nº 9.296/96.


       Somente após a conclusão da diligência é que se autorizou a publicidade. O que também se mostra legal, visto que, tratando-se de processo administrativo o inquérito merece publicidade (art. 37, CF), somente excepcionalmente é que comporta o sigilo.


      Apenas se tornou público as interceptações que efetivamente se mostram relevantes para as investigações. Aliás o presente caso tem uma relevância social, merecendo a publicidade necessária para que a população tenha conhecimento dos rumos que este importante caso tomará.


       Quanto a gravação de autoridades com prerrogativa de função que supostamente ensejariam a nulidade do ato, destaca-se que a interceptação foi realizada nos telefones do agora cidadão Lula e, portanto, se autoridades realizaram ligações para ele, não pode ser creditada responsabilidade ao juiz. Não é coerente exigir que o juiz detenha poderes premonitórios para prever de antemão que autoridades irão realizar ligações a investigados, pedindo, assim, autorização a corte competente.


       Nessa toada, já restou comprovado que o horário das interceptações não ultrapassaram o momento da nomeação de Lula para Ministro da Casa Civil. No entanto, ainda que não fosse assim, não pode se debitar a responsabilidade ao juiz, seja por ele não deter os poderes acima descritos, não sendo sensato que exija-se que este fique antenado a publicação do diário oficial para então interromper as interceptações.


       Findando o tema da legalidade da interceptação, no recente julgado da Segunda Turma do STF, se entendeu que a determinação do art. 1º da Lei nº 9.296 não fixa regra de competência, mas sim reserva de jurisdição. Ou seja, não importa o grau ou a divisão administrativa jurisdicional, o que importa é que seja decisão judicial, logo se mostrando totalmente legal a interceptação (HC 126536/ES, rel. Min. Teori Zavascki, 1º.3.2016.).


      Outrossim, merece destaque a forma “extraordinária” e urgente com que a publicação da nomeação de Lula ocorreu. Claramente, o procedimento comum não foi obedecido. Isto porque, comumente, a publicação ocorre apenas após a cerimônia de posse. Todos esses fatores corroboram para a demonstração da via ardilosa dos expoentes políticos envolvidos.


       Algo que nos causa bastante estranheza é a clarividente seletividade da indignação que determinados juristas demonstram exclusivamente neste caso. A indignação é apenas quanto ao processo de um ex-presidente que, ao que tudo indica diante das evidências diariamente veiculadas, praticou infrações penais em detrimento de uma nação, justificando-se ainda mais esta investigação minuciosa.

 

       No entanto, questionamos onde estavam estes “críticos de notável saber jurídico” quando o STF, rasgando a constituição, autorizou a quebra do sigilo bancário de todos cidadãos brasileiros pelo fisco, sem qualquer autorização judicial? (STF. Plenário. ADI 2390/DF, ADI 2386/DF, ADI 2397/DF e ADI 2859/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 24/2/2016 (Info 815). STF. Plenário. RE 601314/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/2/2016). Ademais, onde estavam os “admiráveis” processualistas penais quando o processo penal foi relativizado nos casos do Goleiro Bruno e do Casal Nardoni? O fato é que, ao posicionar-se apenas nesse caso político-partidário do ex-presidente, esses juristas apenas demonstram sua parcialidade.

Tal situação foi o suficiente para despertar os mais diversos militantes defensores dos direitos humanos e fundamentais da democracia brasileira?


        Por tudo o que se disse até agora, constata-se que o juiz Sérgio Moro atuou dentro da mais basilar legalidade, cumprindo com suas funções republicanas sem se exceder, efetivamente respeitando o Estado Democrático de Direito.


         Por outro lado, a presidente Dilma e o ex-presidente não cumpriram da mesma maneira as suas obrigações democráticas.


        A presidente Dilma vem buscando meios de interferir nas investigações, cometendo, inclusive, crimes de responsabilidade, pelo menos é isso que se extrai da interceptação telefônica e da delação premiada de Delcídio do Amaral. Já Lula utiliza sua condição de ex-presidente para utilizar as instituições a seu favor.


         O STF não se mostra isento o suficiente a possibilitar investigações imparciais. Como dito, com certeza a ideia de Aristóteles e John Locke é a independência total e harmônica entre os Poderes, o que não se mostra que acontecerá neste caso.


        Não é possível mais corroborar que haja nomeações do Judiciário pelo Executivo, pois, claramente, esta situação está sendo utilizada para burlar o próprio sistema jurídico do país. É irônico, pois utiliza-se da própria lei para que os preceitos constitucionais sejam descumpridos.


        Entendemos, respeitamos e defendemos os direitos individuais, mas este vale para todos independente da classe, cor, credo, sexo, função ou ex-função pública. A democracia não pode ser utilizada para acobertar crimes de colarinho branco, todos, sem exceções, estão sujeitos a Leis.


     

Iglesias, Pimenta e Santos Advogados Associados